Conversa com Geovane Flauzino, responsável por eventos da Cruls Cervejaria
Por Mateus Vidigal
Com o avanço da vacinação e o retorno dos eventos presenciais, 2022 parece - ou deveria, ao menos - ter sido também um ano para reaquecer alguns debates em torno do lugar da cerveja artesanal não apenas na gastronomia, como na cultura em um sentido mais amplo.
No Distrito Federal, quem frequentou minimamente eventos culturais - sobretudo, festivais de música - ao longo do ano, provavelmente cruzou com o Geovane em algum momento. Ele é o responsável pelo setor de eventos da Cruls Cervejaria: prospecção, negociação, organização e execução da presença da cervejaria em eventos do DF, sejam eles cervejeiros ou não.
Nesta entrevista, decidi conversar com ele a respeito de público e a respectiva demanda por cerveja artesanal em eventos da cidade, o "duelo" com as grandes marcas e seus contratos de exclusividade, entre outros tópicos para tentar elaborar a seguinte questão: afinal, qual é o lugar da cerveja na cena cultural?
Depois de conhecer esse universo das cervejas artesanais, qual foi e quando foi o encaminhando decidir trabalhar no segmento, ainda que de forma indireta?
Isso aconteceu por volta de 2014 quando decidi fazer o curso de sommelier. Nessa época, trabalhava como gerente de um restaurante e lá comecei a introduzir esse universo no estabelecimento e, consequentemente, no público que frequentava a casa. Tive alguma atuação como vendedor de uma distribuidora também, abrindo pontos de venda e tentando disseminar essa cultura.
Em outras conversas nossas, você comentou um certo desânimo com eventos cervejeiros de um modo geral desde que conheceu a cena... Pode desenvolver um pouco disso?
Cheguei a me afastar da cena por ver um padrão que se repetia no formato dos eventos: sempre rock ou blues nas atrações musicais, sempre em locais longe das periferias, sempre nos mesmos espaços... isso foi me desanimando de frequentar esse tipo de evento. Não me via representado ali. Nem eu, nem os meus.
E isso parece não ter mudado de lá pra cá...
Cara, teve uma vez que fui à São Paulo com a esperança de ver algo de diferente, mas era exatamente como os que tinham aqui. Mesmo hoje, a cena não mudou de fato. Acho que, de um modo geral, falta pesquisa de mercado, frequentar outros espaços, ver outras formas de se fazer evento. Por isso, acho que o distanciamento de um público mais abrangente segue até hoje. Os eventos não mudaram substancialmente. Seguimos com a máxima "rock, carne e cerveja". Sobretudo, acho que me incomoda a falta de diversidade musical. É sempre a mesma coisa! Não consigo ver, por exemplo, porque a cerveja artesanal não pode estar inserida em outros meios com forró, samba, reggae, sabe? Não acho que esses eventos rock + carne + cerveja vão parar... e nem acho que precisam parar, mas é preciso trilhar outros caminhos e mostrar para nosso próprio público que existem outras oportunidades a serem contempladas.
Você teve uma experiência como sócio de uma marca de hamburgueria tradicional do DF, certo? Sei que havia uma pegada de promover esse combo cerveja + artistas locais por lá...
Sim, dentro das nossas possibilidades, fomentávamos a cena local de artistas e de cervejas. Nós fazíamos o Carcará Convida na unidade de Samambaia, no qual atrações como o Sandrox (in memoriam), DJ Xamã, DJ Savana, entre outros passaram por lá... E tinha uma saída muito boa de cerveja, estávamos sempre fazendo happy hour e todo mundo encontrava um produto que agradasse o próprio paladar.
O que explica esse suposto preterimento da cerveja artesanal nesses eventos de maior porte, na sua opinião?
Cara, acho que aí entra uma questão financeira... A produção de muitos desses eventos acabam sendo reféns do custo para a própria execução do evento. Normalmente, cervejarias locais, menores, não têm condições de dar esse aporte financeiro. Acaba que uma coisa puxa a outra e acabamos vendo um monopólio das grandes cervejarias no segmento cultural.
Na sua visão, há um conflito entre a presença de cervejarias artesanais, de menor porte, e os grandes grupos em eventos culturais?
Não existe conflito, pelo contrário. Acontece muito das pessoas acharem que vamos roubar venda do pessoal da dita "cerveja artesanal", quando, na verdade, agregamos em experiência pro público do evento. Em 2022, por exemplo, estivemos em festivais como o Isso Aqui é DF, Festival de Rock Íbero Americano, Festival Latinidades, Picnik, CoMA, Festival de Cinema de Taguatinga... e em todos eles suprimos a necessidade de consumidores de cerveja artesanal que queriam acesso àquele tipo de produto fora de eventos estritamente cervejeiros. Não consigo contar quantas vezes ouvi "que bom que vocês estão aqui, estava doido pra beber coisas diferentes" ao longo deste ano em festivais e demais eventos culturais.
Então há uma lacuna, no seu entendimento?
É inegável que exista essa lacuna e que ela é preenchida pela cerveja artesanal. As pessoas acabam ficando reféns de eventuais patrocinadores e isso não é bom para ninguém. Fazendo paralelo com o segmento da alimentação, é como ser vegetariano em um evento que só tem opções de alimentação com carne. Você acaba recorrendo a opções que você sequer queria num primeiro momento, como batata frita... entende? Talvez falte um entendimento das produtoras de evento que liberdade de escolha do público não é ter duas marcas de uma grande cervejaria no cardápio. Isso é liberdade do consumidor? Acho que não.
E como se deu sua movimentação em torno de eventos culturais não cervejeiros?
Tem muito da minha vivência em fazer essa movimentação. Os lugares que eu frequentava, os tipos de evento que costumo ir... enfim, em todos esses espaços, buscava opções de cervejas artesanais e não encontrava. Partindo daí, comecei a elaborar essa aproximação. E acho que é isso que falta: uma aproximação entre os setores da produção cultural com o meio cervejeiro.
Quando falamos em eventos culturais, não estamos falando apenas de eventos musicais, claro. Como você vê a entrada de cervejarias artesanais em outros segmentos?
Acho que eventos em geral movimentam uma economia incrível. É uma experiência imersiva na economia local. O dinheiro fica na cidade, entende? E, para além dos eventos de música, por que não estarmos em uma exposição de arte? Em uma peça de teatro ou festival de cinema? Ocupar espaços não cervejeiros será fundamental para alcançarmos outros públicos. Temos que ter uma atuação mais ampla e diversa nos mais variados setores da cultura.
E quanto ao perfil de produto? Me parece haver um equívoco a respeito de cerveja artesanal ser algo algo necessariamente inacessível, tanto do ponto de vista sensorial quanto financeiro...
Acredito que, nós, do meio, precisamos intensificar os esforços por uma desmistificação do que é a cerveja artesanal. Claro, temos produtos complexos, mas não é todo dia que você quer beber uma Belgian Dark Strong Ale, sabe? Em diversos momentos, tudo o que queremos é simplicidade na experiência. Isso não quer dizer abrir mão de sabor. Existem cervejas para toda ocasião e, na experiência que acumulei ao longo do ramo de eventos, posso dizer que não há nada melhor que beber o produto que quer, de uma marca que gosta assistindo ao show que saiu de casa para ver. Isso basta.
E como você uma saída para isso? Não me parece que um dia a questão financeira se equiparará...
Acho que só por meio da união do setor cervejeiro mesmo. Unir para pressionar. Uma coisa que sempre me incomodou é como outros setores da cultura acabam sendo valorizados como atração local, como artistas, comida, diversos tipos de empreendimentos de economia criativa, etc... mas, quando chega no assunto "cerveja", é sempre uma marca internacional, de um grande grupo. Isso não faz sentido.
Acha que é o caso de pensarmos, enquanto setor, legislações que cumpram uma espécie de "ação afirmativa" para marcas locais? No Paraná, salvo engano, algo parecido foi feito com cervejarias em jogos de futebol há uns anos...
Acho que sim, existe espaço para isso. Talvez uma legislação como forma de garantir uma política de cotas de participação de cervejarias locais, não sei. Acho que cabe estudar uma forma disso acontecer.
E então, o que fazer?
Nós, enquanto segmento, já temos problemas demais. É urgente que haja, de fato, uma união de classe. União das cervejarias, das produtoras, com apoios reais. Não estou falando de venda, apenas. Estou falando de agregar. Nossa porcentagem de mercado segue a mesma há vários anos e, continuando assim, muita gente boa vai desistir de trabalhar com cerveja até que a maré vire. No caso do DF, é urgente que rompamos também o monopólio dos eventos no Plano Piloto. É preciso estimular a cena nas outras regiões administrativas. Sem isso, não há incremento ou renovação de público.
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Por hoje é só!
E aí, o que achou da conversa com o Geovane? O que pensa sobre a presença de cerveja artesanal em eventos culturais? Qual é o lugar da cerveja na cultura na sua opinião? Conte para a gente nos comentários ou no seu canal de preferência!
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